“Não, eu não tô te dando essa liberdade”, desabafa cosplayer de 14 anos que já
passou por uma situação de assédio em um evento do qual participava.
Esse texto não é sobre “mimimi”. Esse texto é sobre casos reais com pessoas reais em situações que você pode nem imaginar.
Um estudo, feito pelo Datafolha, mostra que 56% das mulheres com 16 a 24 anos já sofreram algum tipo de assédio sexual. O que mais nos entristece é saber que o tema também está presente no nosso universo e é por isso que precisamos falar sobre isso.
Com tantos personagens inspiradores da cultura geek, muitas meninas apostam no Cosplay para demonstrar sua identificação com algum game, filme, série, HQ. E é nesse momento que muitas se pegam confusas entre elogio e assédio.
Cosplay mulher e assédio: quando o elogio passa dos limites
O tema que começou a ser discutido recentemente em amplo espectro agora chega ao mundo do cosplay, onde deveriam valer as mesma regras. Não se trata do estilo da roupa, do quanto de pele se mostra ou do lugar onde se está. O respeito deve vir em primeiro lugar.
“Todas as cosplayers que eu conheço já sofreram casos de assédio, mesmo com cosplays que não sejam sensuais e curtos.” (Manuela Campani)
Alguns podem dizer: “mas se faz cosplay é porque quer ser vista”. E então perguntamos: quando você faz alguma coisa bacana você não gosta do reconhecimento de outras pessoas?
Aqui é o mesmo caso. Afinal, fazer cosplay não é fácil e é bacana que outras pessoas reconheçam seu esforço. Mas isso NÃO significa que as meninas merecem cantadas, passadas de mão, beijo à força…
“Ele falou que se a gente estava de cosplay é porque a gente queria ser vista, se a gente estava com uma roupa colada daquela é porque a gente queria ser encarada, queria chamar a atenção.” (Gabriela Viana)
Fazer ensaios fotográficos é muito comum entre os cosplayers. É uma forma de registrarem sua performance como o personagem representado. Muitos, ainda, participam de eventos e de concursos onde geralmente são bem receptivos a fotos e vídeos.
É nesse momento que abraços para fotografias também acabam acontecendo. Muitos, ainda, gostam de tocar nas roupas e acessórios para entender do que são feitos. Mas, além de poder prejudicar as roupas, esse tipo de contato pode facilmente terminar em algum tipo de assédio, que muitas vezes, acaba sendo relevado.
Uma pesquisa, realizada pelo curso de psicologia da FAE Centro Universitário em 2017, confirma esse fato. Das 7.864 mulheres entrevistadas no Brasil, apenas 7,36% disseram procurar autoridades policiais após sofrerem algum tipo de assédio.
Quanto maior a exposição maior o assédio?
Muitas cosplayers femininas passaram a ter amplo número de seguidores e ganharam maior visibilidade por meio de suas representações. Algumas, inclusive possuem canal no Youtube e começaram a falar de temas geeks com seus seguidores.
Isso as torna pessoas públicas. Nesse contexto, o assédio tende a se propagar mais facilmente, já que fica difícil manter o controle sobre comentários e uso indevido de imagens, por exemplo.
Vanessa Danieli é cosplayer e tem um canal chamado Barbaridade Nerd. Para ela, as mulheres ainda são minoria nesse meio e, como toda minoria, sofrem sem muito poder de mudança.
Em seu perfil no Instagram, Vanessa recebe muitos elogios, comentários positivos de admiradores, mas sempre acaba encontrando um ou outro comentário indesejável.
Como ela mesma diz, ela tenta relevar, ela “está acostumada” com coisas do tipo. Mas a grande verdade é que situações de assédio com cosplayers femininas não deveriam ser algo normal ou algo com o que as meninas deveriam se acostumar.
Cosplay vs. assédio e violência verbal: casos que andam lado a lado
Assim como Vanessa lembra, a cultura geek como um todo ainda é majoritariamente masculina. A mulher já vem conquistando espaço em diversas áreas e no meio nerd não é diferente. Ainda assim, o assédio, o preconceito, o machismo e a violência verbal afetam muitas meninas no meio cosplayer e em diversos outros.
Desde um julgamento por achar que menina não pode jogar determinado tipo de jogo até mesmo dizer que ela não pode fazer cosplay de determinado personagem porque não deve entender nada sobre ele.
É o caso da cosplayer Angel Spaniol. Para agradar a filha e a si mesma, Angel criou seu próprio cosplay de Mulher Maravilha. Depois de divulgar fotos suas, Angel recebeu diversas críticas. Entre comentários machistas e preconceitos, ela se surpreendeu ao receber um comentário de ninguém mais ninguém menos que Lynda Carter, a consagrada Mulher Maravilha.
Cosplay vs. mulher vs. sociedade: ainda é preciso evoluir
Muito já se evoluiu graças à luta feminista, mas ainda há muito o que se evoluir. O corpo feminino ainda é hipersexualizado, as mulheres ainda são vistas como objeto e ainda há menosprezo por conta de uma cultura machista enraizada na sociedade. E isso se estende por todas as áreas: no trabalho, na escola, na igreja, no meio geek e também no meio cosplay.
A cosplayer Maria Luiza Grantaine, conhecida no Instagram como @kidzastr, tem mais de 52 mil seguidores e atualmente é apresentadora do Bunka Pop.
Maria reflete sobre o tema e relembra da relação entre o corpo nu feminino e a herança histórica da humanidade. Para ela, a mulher ainda é vista como um estereótipo de desejo, mas há formas de bater de frente com essas situações.
Casos de cosplayers femininas e assédio na mídia
Como dissemos, o tema não é novo, mas a discussão sobre isso sim! No final de 2017, a equipe do BuzzFeed reuniu depoimentos de 14 meninas. Elas contaram as coisas mais machistas que ouviram enquanto faziam seus cosplays.
Entre as frases ouvidas pelas cosplayers, tem coisas que podem ser classificadas como assédio, machismo, preconceito e violência verbal:
Outro caso que ficou bastante conhecido aconteceu em 2015, durante a Comic Con. O HuffPost Brasil divulgou o ocorrido com a seguinte manchete:
Cosplayer é assediada pela equipe do ‘Pânico na Band!’ na Comic Con Experience; programa é banido do evento
A situação foi a seguinte: em entrevista durante o evento, um dos repórteres lambe a cosplayer:
Conhecida como Myo Tsubasa, a cosplayer que representava StarFire, de Os Jovens Titãs, desabafou em sua rede social:
“Eles me pedem para ir um pouco à frente e dar uma “giradinha” pra câmera […] Tentei relevar, até que NOVAMENTE, A CRIATURA IGNÓBIL ME DÁ UMA DEDADA NA MINHA PELE PRA TIRAR MINHA TINTA, E LOGO EM SEGUIDA METE A LÍNGUA NOJENTA EM MIM. ME LAMBEU. Não tem palavras que descrevam o ódio e o nojo que me bateram na hora.”
Números do assédio contra mulheres
O Instituto Maria da Penha criou uma iniciativa muito bacana, mas que traz dados alarmantes relacionados aos tipos de violência contra mulheres. O site, chamado Relógios da Violência, traz números diários em tempo real e um dos dados é sobre o assédio sofrido pelas mulheres:
No Brasil e no mundo, o assédio é um dos maiores problemas identificados e/ou enfrentados pelas mulheres.
A luta continua e não deve parar. Não é questão de julgamento, não é questão de “mimimi”, não é questão de deixar de ser feminina ou o que seja. É questão de respeito! É saber e entender que a mulher tem os mesmos direitos que os homens e podem fazer o cosplay que quiserem: seja feminino, seja masculino, seja com muita roupa, seja com pouca roupa ou mesmo sem nada. É saber que isso não dá liberdade para ninguém fazer ou falar o que quiser.
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