Nova Andradina/MS – 24 de janeiro de 2047
Alex paralisou. Não sabia o que dizer àquela menina. Não sabia se corria de medo, ou se suspirava de cumplicidade pelo pedido. Era um sentimento estranho, que o fazia ficar ali, parado. Veio então a repetição do sussurro…
– Me ajuda… Me ajuda…
Em seguida, ela se esvaiu em uma fumaça branca e a vitrola parou de tocar. Alex deu dois passos em frente, mas recuou e saiu correndo da casa. Ofegante, caiu a primeira lágrima em seu rosto, afinal ele ainda era só uma criança. Ao olhar para a casa, novamente, lá estava ela, na janela da casa, olhando para ele.
Foi então que Alex percebeu que não era uma alucinação da cabeça dele e observou mais atentamente a expressão da menina. Não era um monstro, mas com certeza não era humana, nem uma alien. O que ele temia finalmente virou uma conclusão: era uma fantasma. Uma alma perdida.
– Quer dizer que cidade fantasma não é só uma cidade inabitada?! – pensou.
Tomou coragem e se aproximou novamente da residência, enquanto enxugava os olhos. A menina fantasma sorriu. Ao entrar, olhou-a mais de perto. Pareciam da mesma idade. Ele achou ela linda. Foi lentamente com a mão direita encostar no rosto dela, mas ela não podia ser tocada e sua mão atravessou ela. Um leve susto então interrompeu a aproximação e a menina preferiu desaparecer novamente, como uma pré-adolescente envergonhada de sua aparência.
– Não, espera! – disse Alex, na esperança de que ela não fugisse novamente. Em vão. Um forte vento soprou na escrivaninha atrás dele e espalhou diversos jornais amarelados pelo chão. Alex entendeu o recado e olhou com mais atenção às manchetes.
“Nova News – 17 de setembro de 2020: Massacre! Soldados bolivianos são mortos no centro de Nova Andradina”
“Nova News – 21 de setembro de 2020: Onde estão os bois? Capital do boi se pergunta sobre paradeiro dos animais”
“Jornal da Nova – 21 de setembro de 2020: Soldados brazileiros criam toque de recolher e cidadãos são ameaçados”
“Nova News – 22 de setembro de 2020: Batayporã recebe incentivo do Governo Federal de U$ 155 milhões”
“Jornal da Nova – 22 de setembro de 2020: População quer explicações sobre limites impostos pelo exército”
“Folha de S. Paulo – 23 de setembro de 2020: Nova Andradina é palco de guerra entre exército e populares”
“O Globo – 23 de setembro de 2020: Veja relato de moradores que fugiram da batalha de Nova Andradina”
“Olhar Crítico – 26 de setembro de 2020: Absurdo! Soldados brazileiros transformam Nova Andradina em cemitério”
“Folha de S. Paulo – 26 de setembro de 2020: Soldados deixam Nova Andradina/MS por ordem do Governo – Não há sobreviventes registrados na cidade”
“O Globo – 12 de outubro de 2020: Governo cede cidades para experimentos químicos”
“Correio do Estado – 12 de outubro de 2020: Nova Andradina é liberada por governo brazileiro para testes químicos”
“Correio do Estado – 29 de outubro de 2020: Radiação em Nova Andradina impossibilita aproximação de seres vivos”
“Correio do Estado – 29 de outubro de 2020: Batayporã inaugura Dória hotel e cassino”
“Correio do Estado – 1 de novembro de 2020: Diários do massacre: ex-militar brazileiro acredita em traição de soldado boliviano”
“Correio do Estado – 7 de novembro de 2020: Diários do massacre: ordem superior era de atirar para matar”
“O Globo – 10 de novembro de 2020: Mato Grosso do Sul é o maior exportador de carne bovina do país”
“Correio do Estado – 14 de novembro de 2020: Diários do massacre: Gados de Nova Andradina foram negociados com traidor”
“Folha de S. Paulo – 15 de novembro de 2020: Jornal Correio do Estado é fechado pelo Governo após série de denúncias”
“Folha de S. Paulo – 20 de novembro de 2020: Dono do jornal Olhar Crítico é morto em cassino de Batayporã”
“Resenha do MS – 21 de novembro: Antes que me matem, a verdade.
O jornalista Otávio Campos, do Jornal Olhar Crítico foi assassinado na madrugada de quinta (19) para sexta (20), pois denunciaria um grave esquema de criação de gados mutantes. Campos investigava desde a batalha em Nova Andradina e acreditava que o responsável por isso não está aqui, mas recebe incentivo do Governo Federal.
Se eu ainda estiver vivo para contar mais detalhes, contem comigo, queridos leitores.
Ass. Fabrício Vieira”
“Folha de S. Paulo – 30 de novembro: Jornalista e filha que viviam em Nova Andradina são mortos durante atentado, em Batayporã”
Alex leu tudo, todas as manchetes recortadas caprichosamente para que tivessem uma ligação entre si. Apesar da idade, ele era um garoto inteligente, foi alfabetizado nas melhores escolas dos EUA e Brazil, ia muito bem nas aulas. Logo percebeu a ligação e entendeu que Nova Andradina podia ter mais que apenas almas vagando por ali.
A menina fantasma, ao que tudo indicara, era a filha do jornalista Fabrício Vieira, moradores da cidade sul mato-grossense e que conseguiram fugir da cidade. No momento que terminou de ler, a menina reapareceu a sua frente e apontou para um mapa ao lado dos recortes de jornal, marcado com um xis vermelho próximo ao centro de Nova Andradina.
– É lá – sussurrou a menina.
– Mas, como vou chegar lá? – questionou Alex. A menina apontou então para fora da casa. Várias almas apareceram, formando um caminho que levava ao local. Alex voltou o olhar para a menina, que confortou-o com um gesto positivo com a cabeça. Era hora de seguir o trajeto criado por almas.
Alex seguiu andando por 20 minutos, em um corredor de almas que o encaravam. Sentiu frio durante todo o caminho. Até que chegou ao seu destino. Lá estava ela, a menina da casa apontava para a Prefeitura Municipal de Nova Andradina. Mas o que teria naquele lugar?
-Esta é uma série de ficção e nada do que foi escrito aqui condiz e/ou foi baseado em fatos reais ou opinião de seus autores. A obra é de direito restrito do site Sintonia Geek Magazine e sua reprodução é regrada à prévia autorização de seus criadores-