Batayporã/MS – 24 de janeiro de 2047
Na manhã seguinte à chegada em Batayporã, Sütter e Alex precisavam de roupas novas. A farda do militar e as roupas de grife do menino estavam bastante surradas. A suíte presidencial contava com amplo closet, com vestimentas de luxo. Paletós, camisas, polos, calças sociais, sapatos brilhantes, suéteres, coletes finos… Tudo o que o Major não suportava. Nascido em salões requintados, Alex sabia lidar com isso.
– Eu não vou usar isso, nem morto, tchê! – disse Sütter, ainda usando sua farda suja e rasgada.
– Qual é Sütter? Pela sua cara você nunca soube o que é um terno – respondeu Alex, já escolhendo uma camisa polo para si.
– Odeio engomadinhos. Prefiro minha farda.
– Aproveita, cara. Coloca uma camisa, um terno, uma calça, um sapato… Vai parecer gente de verdade.
– Diz isso um meio humano, meio alien, para um vampiro.
No fim das contas, Alex vestiu uma camisa polo com listras azuis e brancas, calça jeans, fez um moicano no cabelo com gel, calçou um sapato social preto e colocou um óculos escuro. Sütter sabia que não podia ficar com aquela farda. Colocou uma camisa branca aberta no colarinho, um paletó preto aberto, calça social preta, sapato branco com a ponta preta (gosto estranho) e um óculos de aviador. Porém, não se desfez da boina, o que deixava um look bem exótico, digamos assim. Ambos foram, então, ao elevador, descendo à recepção.
– Sério, essa boina tá ridícula – avisou Alex, num momento constrangedor de conversa entre os dois, com a trilha sonora da musiquinha do elevador.
– Cale a boca, guri. Não pedi a sua opinião – disse Sütter com cara de poucos amigos, cara essa que parecia não assustar o atrevido menino.
– É sério, acho melhor tirar isso… Tá acabando com seu estilo.
– Tô cagando pro estilo. Só coloquei essa roupa porque a farda estava muito rasgada. E olha quem fala de ridículo. Tá achando que esse cabelo tá tri, é?
– Isso é estilo, coisa que você nem conhece. Nem a barba tira direito, deixa mal feita.
– Te some da minha frente, guri. Não me torre a paciência.
O elevador chega ao térreo. No hall principal, lá estava Franco, olhando-os com um sorriso forçado em sua face.
– Dormiram bem? – questionou o recepcionista.
– O suficiente. Estamos de saída – respondeu Sütter
– Para onde estão indo com tanta pressa? Querem um táxi? – ofereceu Franco.
– Estamos indo para Nova Andradina, e… – Alex foi interrompido rispidamente.
– Alex! – alertou Sütter – Não, não precisamos de táxi. Vamos embora, guri.
A dupla saiu do hotel e se encaminhou para um beco, onde alçaram voo para Nova Andradina. Logo que iniciaram o deslocamento pelo ar, Sütter passou um pouco de seu conhecimento militar.
– Bah, guri! Não se fala do destino, do paradeiro, dos objetivos ou dos seus pontos fracos para qualquer pessoa. Isso pode te matar.
– Tá, tá… Foi mal. Mas o que um recepcionista de hotel pode fazer contra a gente?
– Um hotel de cinco estrelas no meio do nada, em uma cidade pequena que nem prédio tem? Guri, você tem muito a aprender sobre percepção. Tem alguma coisa muito errada na cidade. Vamos fazer o nosso e deixar isso pra lá.
O vampiro militar tinha razão em ficar desconfiado. Logo que os dois saíram do hotel, Franco pegou novamente o telefone.
– Señor Dória, ¿qué debo hacer? Sí, el vampiro está aqui. Sí, señor. Entendido.
Nova Andradina/MS – 24 de janeiro de 2047
Pouco tempo após sair de Batayporã, Alex e Sütter chegaram em Nova Andradina. Com o dia nublado, o local vazio ficava mais sombrio ainda.
– E aí guri. Sabe como encontrar esse tal Pajé? – perguntou Sütter.
– Ele mora em uma casa de três andares, de madeira, pintada de azul e amarela, não tem erro – informou Alex
– Então vou voando para achar. Vai ser mais rápido. E você, fique aqui.
– Qual é, me deixa ajudar!
– Muito ajuda quem não atrapalha – disse Sütter antes de abrir as asas novamente e voar.
O vampiro foi pelo céu cheio de nuvens, o que dificultava um voo mais alto. Logo, não era possível ver tantas casas ao mesmo tempo. Alex ficou na entrada da cidade, mas, com medo, ouviu uma voz ecoar na rua a sua frente.
– Mortos… – disse o eco, que continuou – Salve… Animais…
Alex não entendeu nada, mas um frio na espinha o envolveu. O garoto começou a ouvir uma bela música clássica vindo de umas três quadras à frente. Como a cidade estava vazia, o silêncio predominava e qualquer som, mesmo que de longe, era possível de se ouvir. Ele pensou se deveria ir ou não. Mas imaginou que poderia ser o Pajé, já que almas não ouvem música.
Sütter já estava no centro de Nova Andradina e sentiu um cheiro de podre no ar. Desceu no meio de uma deserta rua. Virou para todos os lados, procurando o foco do odor. Porém, seus sentidos atentaram para um dardo vindo rapidamente em sua direção. Virou rapidamente e com uma precisão incrível pegou o dardo com os dedos, crente que havia acabado com os planos de alguém que queria surpreendê-lo. Foi quando sentiu uma facada nas costas. Esticou a mão para tirar o objeto pontiagudo e virou. Viu Heitor, o funcionário do hotel de Batayporã. Antes que pudesse soltar suas unhas para destroçar o rapaz, uma forte tontura atingiu o vampiro, que desmaiou em seguida.
Alex chegou à casa com a música clássica. Exitou ao entrar, mas a curiosidade falou mais alto. A casa não era a do Pajé. Era uma residência de madeira, simples, cheia de mato em volta. O garoto abriu a porta e se deparou com uma casa vazia, cheia de rabiscos nas paredes e desenhos de touros, bois, gados, vacas… Não dava para identificar muito bem. Apenas um cômodo a mais. Se aproximou e lá encontrou uma menina sentada de costas, ouvindo uma antiga vitrola com música clássica. Ela virou lentamente. Com olheiras profundas, cabelos compridos muito bem arrumados e lábios brancos, sussurrou.
– Me ajuda.
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